Eu próprio

Lembro-me de ser criança e de ao questionar certos acontecimentos me ser vendido que havia coisas que eu só compreenderia mais tarde, alegadamente quando fosse adulto. Eram acontecimentos tão banais quanto o fazer a cama todos os dias, ou tão complexos como o casamento ser presidido por um padre que nem sequer podia ter namoradas.
Eu nunca fui rebelde, sempre fui muito afável e correcto e ao longo dos anos desempenhei o papel que se esperava.
Sinto que criei uma sensação de que Eles (os adultos) sabiam, de que Eles controlavam a situação e de que o Mundo era um local seguro porque Eles tinham todo um conjunto de costumes e hábitos que os tornava especiais.

E depois tornei-me adulto.

Uma das maiores descobertas que fiz foi descobrir que Eles (onde eu agora me incluo) sabem muito pouco sobre o Mundo. Todos esses costumes e pressupostos são apenas uma ilusão que permite uma vivência confortável e estável. Toda a sensação que me venderam foi simplesmente uma forma de nnão arriscar.

Felizmente eu tive uma Mãe e um Pai que me permitiram enfrentar essa ilusão e pôr-me à prova. Permitiram-me essa loucura e com um grande sacrifício emocional.
Aos 20 anos fui viver com mais 3 amigos para uma casa de estudantes. Muitas pessoas não compreenderam. Eu não tinha necessidade de sair de casa e perder todo a comodidade de estar com os meus Pais. Eu estudava na mesma cidade deles. Houve quem achasse que eu não me dava bem com os meus Pais (não podiam estar mais enganados).

A verdade é que eu sempre tive uma grande necessidade de descobrir realmente o que custava não ter a rede dos nossos pais para nos suportar no dia-a-dia.

Mais tarde fui para Erasmus e depois fui para o Chile viajar sozinho de mochila às costas. Duas experiências que me ensinaram quem eu sou.

Uma das grandes aprendizagens que aplico na minha vida é a capacidade de ser eu próprio sem me tornar autista para a sociedade. É engraçado que uma das frases que as crianças e os jovens mais escrevem uns para os outros no final dos campos de férias é: Nunca deixes de ser tu próprio. Infelizmente quando olho no meu dia-a-dia sinto que a maior parte de nós se deixou esmagar pela sociedade e enfiou o eu próprio numa qualquer gaveta escondida.

4 comentários:

je disse...

Quem tu és é muito fixe :)

E é fascinante ver que quanto mais somos nós próprios mais fantásticas são as coisas que fazemos...

Para quem tenha dúvidas...

Carla Barros disse...

graças a ti deixo todas as minhas gavetas à mostra.
obrigada pela partilha e por continuarmos sempre crianças

Andorinha disse...

Passei por cá...encontrei este post. A ti tenho-te a dizer: obrigado. Levaste-me até quem me relembrou onde tinha deixado as chaves da gaveta onde me tinha trancado.

Vim pra fora agora, neste momento da minha vida, porque me redescobri e porque aqui elevo todos os dias o conhecimento de mim mesma.

Sábado vou jogar às corridas de caricas na Praia. A mais nova tem 29 anos e o mais velho 38. Estamos todos delirantes por poder fazer castelos na areia e jogar e ser criancas. Também esta possibilidade chegou até mim via Candeia.
Obrigado a VÓS por me ensinarem...a marar :)

PS: Não és antipático.

ઇઉ Aralis ઇઉ disse...

Adorei... passei sem saber o que esperar, mas aproveito para subscrever o pensamento. É uma realidade que nem sempre nos apercebemos..