Atrás da Cortina

Ouve-se muitas vezes a piada sobre o miúdo que achava que o fiambre vinha do pacote de plástico, desconhecendo a sua associação com o porco.

Eu nunca conheci nenhum miúdo que dissesse isto. E se conhecesse não achava assim tão grave. Desde que nasci, em Lisboa, que a morte do animal que estava a comer foi posta atrás da cortina. Penso que assim se passa com maior parte das famílias urbanas. Come-se carne de animais (nos quais incluo os peixes) e rapidamente fazemos juízos de piedade. Coitadinho das vacas e dos frangos. A verdade é que sempre que comemos raramente pensamos sobre a origem dessa comida, sobre o acto de morte que foi preciso executar.

Assim na minha ignorância citadina decidi esta Páscoa assistir à morte do Galo que serviu para fazer Arroz Pica no Chão, parente muito chegado do Arroz de Cabidela.Não foi a primeira vez que vi matar um animal que mais tarde comi, mas ajudou a aproximar-me de uma realidade que é demasiado fácil de colocar atrás da cortina das ilusões vendidas.

A primeira e única vez que matei, com a verdadeira sensação de matar, para comer foi na Ilha do Príncipe. Fui com um grupo de locais, durante uma noite, apanhar caranguejos de terra. Foi um espectáculo sangrento, para os caranguejos. Também eu empunhei uma catana e destrui carapaças e miolos. Foi uma noite inesquecível. O jantar no dia seguinte também.

É interessante como há quem se esforce tanto por se aproximar da Mãe Natureza, deixando de comer outros animais, afastando-se para isso da natureza humana.

É, também interessante, como banalizámos totalmente a morte dos animais que comemos.

Desconheço o significado disto e a sua profundidade, mas não podia deixar de partilhar a sensação que vivi esta Páscoa com a morte do Galo.

Para os interessados o arroz estava divinal.

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